sábado, 24 de junho de 2006

Ele lê os gênios enquanto trabalha na roleta do ônibus


Machado de Assis, Federico Garcia Lorca e Aloísio de Azevedo são alguns dos passageiros ilustres que costumam circular de ônibus em Santa Cruz do Sul. Suas obras acompanham há pelo menos cinco anos o cobrador de ônibus Daniel Ferroni, que passa oito horas por dia dentro de um coletivo. Entre um passageiro e outro ele folheia os livros e guarda na memória as atitudes e dramas dos personagens que conhece através das histórias.

O hábito de ler surgiu quando o rapaz se matriculou em um curso supletivo para concluir o Ensino Médio, após ter saído do Exército. Sem tempo para estudar em casa começou a levar o material de aula para o trabalho. Depois de formado, passou a fazer um curso pré-vestibular e tinha como objetivo cursar Química. Porém, o estímulo dos professores fez com que mudasse de idéia. No começo lia por obrigação, mas com o passar do tempo se encantou pelos textos assinados por autores consagrados tanto no Brasil e exterior. “O bichinho da Literatura me picou e não parei mais”, conta. A essa altura Ferroni decidiu mudar de área e se inscreveu no vestibular. Para Letras. E com um único objetivo: se tornar professor.

Com a exigência de leitura constante para os trabalhos de universidade, acabou se encantando pelas obras literárias criadas por Augusto dos Anjos ou pelo alemão Johann Wolfgang Goethe. E são esses os autores que também passeiam pelas ruas de Santa Cruz e fazem com que Ferroni, aos 25 anos seja conhecido como o “cobrador que lê”. Para alguns passageiros, a atitude que virou hábito causa estranheza. “As pessoas me perguntam o que estou fazendo. Querem saber o que leio e o por quê. Outros só observam”, explica.

Mas se para uns isso é motivo de questionamentos, para outros é sinal de empenho. Tanto que alguns dos passageiros já presentearam Ferroni com livros, como fez Pedro Kolberg, que publicou obra narrando sua vida na cadeira de rodas depois de um acidente. Em outra ocasião, um padre que atuava em oficinas comunitárias do Bairro Bom Jesus ofereceu um livro de contos. Já houve casos também de passageiros que emprestaram textos para Ferroni, ou a quem ele cedeu parte de seu acervo. “É uma forma de difundir o gosto pela leitura e possibilitar enriquecimento cultural”, destaca.

Ao longo desses anos, o cobrador também colecionou histórias. Uma delas teve desfecho em sala de aula. “Estava lendo o clássico Édipo Rei (uma peça de teatro grega escrita por Sófocles) no ônibus e uma passageira não parava de me observar. Quando eu já estava na faculdade, descobri que uma professora havia citado meu nome como exemplo para alguns alunos. Depois tive aulas com ela”, recorda.

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