segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Grafia da língua portuguesa terá mudanças em 2009

Passados 18 anos de sua elaboração, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vai entrar em vigor no ano que vem. O Brasil será o primeiro país entre os que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) a adotar oficialmente a nova grafia. Além do Brasil, integram o grupo Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.


As mudanças mais significativas alteram a acentuação de algumas palavras, extingue o uso do trema e sistematiza a utilização do hífen. No Brasil, as alterações atingem aproximadamente 0,5% das palavras. Nos demais países, que adotam a ortografia de Portugal, o percentual é de 1,6%. O período de transição estipulado pelo Ministério da Educação (MEC) para a nova ortografia passar a ser obrigatória nos livros didáticos é entre 2010 e 2012.

No entanto, para o professor de Departamento de Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Olívio Lopes Vicentini, essas mudanças são apenas mercadológicas e irá beneficiar apenas uma minoria. Para ele, a reforma ortográfica já vem acorrendo, pois muitas palavras das línguas variantes do povo já foram oficializadas na escrita, sem nenhuma imposição.

1) Porque o senhor considera essa Reforma ou Acordo Ortográfico como uma questão meramente mercadológica?

Olívio Vicentini – Primeiramente é bom relatar que durante toda a história da humanidade a Linguagem sempre esteve associada ao poder. As primeiras nações já dominaram os outros povos através da língua, porque ela é cultural, é uma forma de ação, interação e dominação. Ela bloqueia o acesso ao poder e o desbloqueio só será possível quando as demais pessoas dominarem a linguagem dos poderosos. Quando Portugal “descobriu” o Brasil já impôs sua língua para dominar os índios. Hoje esse domínio continua, pois o conhecimento da Língua Portuguesa serve para dominar os analfabetos, ou seja, quem possui esse conhecimento acaba se sobressaindo e é capaz de dominar os demais. Então qualquer modificação na Língua está relacionada ao poder político, ideológico e econômico. Isso não pode ser considerada reforma, o que existe, é um grupo da elite brasileira que quer dominar os demais através do que eles chamam de língua padrão. No entanto, não há como separar esta língua padrão das línguas variantes do povo. São milhões de pessoas que falam o Português do Brasil e outros que tentam impor uma única linguagem brasileira que chamam de padrão, mas que não existe nem para os melhores escritores.

2) Quer dizer que essas mudanças apresentadas na Reforma Ortográfica não vão interferir no aprendizado?

Vicentini – Acredito que não, penso que as conseqüências serão apenas econômicas, quanto ao aprendizado, não vai mudar absolutamente nada. Dizer que as letras “K”, “Y” e “W” serão incorporadas no alfabeto é uma redundância, porque elas já fazem parte da escrita da nossa Língua, inclusive em muitos nomes de pessoas, quem não conhece um Wilson com “W”, por exemplo? Por isso essa medida não passa de uma bobagem ou de uma perda de tempo. Não é reforma, é uma simples determinação que foi criada para beneficiar uma minoria economicamente. Não existe nenhuma diferença entre escrever “lingüiça” com ou sem trema, porque as pessoas já se acostumaram e sabem qual é a pronúncia correta e vão continuar escrevendo com trema, mesmo com essa mudança anunciada.

3) Então os acentos na Língua Portuguesa não interferem na pronúncia das palavras?

Vicentini – Não interferem, porque se você escrever Antônio com acento circunflexo, uma pessoa de origem Portuguesa vai continuar pronunciando António com acento agudo e vice e versa. É uma questão de cultura, por isso acho que nem deveria ter acento no Português. Então pior ainda é mudar dois três acentos, tirar de umas palavras e deixar em outras na língua portuguesa. É como atirar de fuzil em num mosquito. O ideal é deixar as coisas irem amadurecendo ao natural, não há como impor mudanças como essas em sala de aula.

4) Significa dizer que não é possível unificar a Língua Portuguesa?

Vicentini – Não há como, porque a fala influi na escrita. A nossa Língua Portuguesa é fonológica, ela aproxima a cada som uma forma de escrita, ou o Grafema como é chamado tecnicamente. O jeito de falar de uma mesma pessoa muda dependendo da situação, da idade ou da região em que ela vive, até porque a nossa Língua é constituída de 27 símbolos e 57 fonemas. A fala é que vai moldando a escrita, veja o exemplo da palavra “Pneumático” que passou a ser conhecida como “Pneu”, tanto na fala como na escrita. Esse fenômeno acontece porque a Língua é viva, ela muda constantemente e de forma automática, mas não por lei, decreto, ou por interesses econômicos. As mudanças na Língua surgem por essa relação implantada pelas pessoas e que os escritores vão adaptando aos seus textos e os “gramatiqueiros” são obrigados a incorporar. Não há como ignorar esses fenômenos que estão ocorrendo com a nossa Língua, pois é assim que as pessoas conseguem escrever e se comunicar, portanto, são elas que fazem a verdadeira Reforma Ortográfica.

5) Qual sua opinião sobre a linguagem utilizada na Internet?

Vicentini – Acredito que existe um certo preconceito quanto à linguagem na Internet. O “Internetês” é resultado da evolução tecnológica, pois quando surge um novo produto tecnológico também aparecem novas formas de linguagem e não tem como ser diferente. O computador e o Telefone Celular foram propulsores de uma linguagem nova e mais rápida que aos poucos foi se disseminando. Por exemplo, a palavra “beleza” foi substituída pela abreviação “blz”, hoje, todos nós passamos a usar e entendemos perfeitamente, sem nenhum problema. Na história de qualquer língua sempre houve abreviaturas de palavras, porque isto está associado a tempo, espaço e dinheiro. Se você olhar uma propaganda num jornal vai perceber as abreviaturas, pois como se paga muito por espaço pequeno, não há outra forma de ocupar melhor o espaço. Então esse “Intenetês” foi uma forma que os jovens descobriram para se comunicar e que acabou por se infiltrar na nossa vida, tanto que até livros são publicados com essa linguagem, baseados em emails. Então não tem como evitar as mudanças da língua, porque elas acontecem de acordo com a necessidade de adaptação ao sistema. Eu prefiro a pessoa que domine essas várias formas de escrever do que aquele que domina apenas uma. O tipo de texto a ser utilizado depende da Função Social, a pessoa deve saber qual é a linguagem permitida naquele local ou momento. Por isso a pessoa que dominar mais tipos de escrita vai levar vantagem em relação as demais. Tem que acabar com essa idéia de que vai existir somente uma Língua Portuguesa, ou de que as outras variantes vão prejudicá-la. Quanto mais variantes existirem, mais rica vai ficar a língua mãe, que vai continuar sendo preservada.

6) E quanto ao estrangeirismo?

Vicentini - Vale a mesma regra, pois ele está presente em diversas marcas de produtos e na própria linguagem. A palavra deletar pode ser citada como o grande exemplo, hoje todo mundo conhece o seu significado. Assim como o Internetês, quem dominar o maior número de línguas estrangeiras é que tem mais chances nas mais diferentes áreas de atuação. Existe hoje uma necessidade de dominar praticamente todas as línguas e isso vai entrecruzando as culturas e, ao mesmo tempo, enriquecendo o vocabulário.

O que muda de acordo com o Acordo Ortográfico:

Trema: o acento será totalmente eliminado. Assim, “freqüente” passa a ser “frequente”.
Acentos em ditongos: acaba o acento nos ditongos “ei” paroxítonos. Dessa maneira, “idéia” vira “ideia”.
Acento circunflexo: quando dois “os” ficam juntos também some. Logo, “vôo” vira “voo”.
Cai o acento diferencial: o acento que diferenciava palavras homônimas de significados diferentes acaba. Conseqüentemente, “pára” do verbo parar vai ficar apenas “para”.
Hífens: sai a maioria dos hífens em palavras compostas. Assim, “pára-quedas” vira “paraquedas”. Será mantido o hífen em palavras compostas cuja segunda palavra começa com “h”, como “pré-história”. Em substantivos compostos cuja última letra da primeira palavra e a primeira letra da palavra são as mesmas, será feita a introdução do hífen. Assim “microondas” vira “micro-ondas”.
Inclusão de letras: as letras antes suprimidas do alfabeto português (k, y e w) voltam, mas só valem para manter as grafias de palavras estrangeiras.
Fim das letras mudas: Em Portugal, é comum a grafia de letras que não são pronunciadas como “facto” para falar “fato”. Elas sumirão.
Dupla acentuação: foi mantida a diferença de acentuação entre o português brasileiro e o lusitano. É comum quando se fala do acento circunflexo e agudo: assim, nós escrevemos “econômico” e eles, “económico”.

Josemar Santos
Assessoria de Imprensa
Universidade de Santa Cruz do Sul

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